APONTAMENTOS SOBRE A NECESSIDADE DE UM
CÓDIGO DE PROCESSO CONSTITUCIONAL PARA O BRASIL
CLEVERTON CREMONESE DE SOUZA
Advogado e Professor Universitário. Membro fundador da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional. Mestrando em Justiça Constitucional e Direitos Humanos pela Universidade de Bolonha. Diretor da CAA/PR. Membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/PR.
Superado um pouco o afã
inicial do exame do Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor no ano
de 2016, é chegada a hora dos juristas voltarem suas atenções para outro
interessante tema, que parece paulatinamente estar ganhando força no campo
acadêmico, principalmente entre processualistas e constitucionalistas.
Trata-se do debate sobre a
necessidade (e em que medida) da criação de um Código de Processo
Constitucional para o Brasil, o chamado CpCon, nos moldes do ocorrido em países
como Peru, Bolívia e Costa Rica, que já possuem códigos em vigor.
A discussão é
completamente salutar, atual, diante da quadra do constitucionalismo que nos
encontramos, e em hipótese alguma tem relação com a desqualificação do corpo
normativo vigente, principalmente em relação à lei 9868/99, como uma primeira
vista pode parecer.
Também nada tem a ver com
a mera consolidação ou compilação de leis em um único caderno legal, como
muitos reduzem e simplificam o fenômeno da codificação.
Tem muito mais a ver com
a necessidade de depuração, sistematização e uniformização das normas e
procedimentos atuais de defesa da Constituição e de proteção dos direitos
fundamentais, que esparsos produzem efeitos deletérios para o desenvolvimento
do direito e para a proteção que se destinam, principalmente a partir da
insegurança jurídica que proporcionam, e com a inserção de novos elementos, talvez
para corrigir lacunas legislativas e para potencializar a proteção de direitos,
do que com a necessidade de qualquer rompimento abrupto com os instrumentos
atualmente existentes.
No Brasil, uma instituição
que muito tem se dedicado ao estudo e difusão do tema é a Associação Brasileira
de Direito Processual Constitucional[1],
atualmente presidida pelo Professor Luiz Guilherme Marinoni. Fundada no ano de
2013 por uma expressiva quantidade de renomados juristas brasileiros, além de
atuar para fomentar o desenvolvimento do Direito Processual Constitucional no País,
a agremiação se propõe a desenvolver ou ao menos participar ativamente da
criação de um Código de Processo Constitucional Brasileiro.
Durante o seu último
evento, denominado II Congresso Brasileiro de Direito Processual
Constitucional, recentemente realizado em Curitiba, em painel que tratava sobre
Codificação e Teoria do Direito Processual Constitucional, os Professores
Francisco Ivo Dantas e Paulo Roberto de Gouvêa Medina defenderam incisivamente
a viabilidade jurídica da codificação.
Paulo Medina chegou a
afirmar na oportunidade que o Código de Processo Constitucional poderia conter a
tendência atual ao ativismo judicial desmedido e que a codificação não seria
uma utopia, mas sim uma nova perspectiva que se abriria para todos nós[2].
A proposta, contudo, pode-se
dizer, não é nova. Em janeiro de 2010, através de publicação realizada na Folha
de São Paulo[3],
Paulo Bonavides e Paulo Lopo Saraiva aparentemente introduziram a ideia entre
nós.
Na ocasião, mencionando a
necessidade de se dar unidade normativa aos processos constitucionais, convocaram
colaboradores para participar da elaboração do Código: “Fica assim posta,
aqui e agora, a ideia pioneira, a fim de que surjam os colaboradores e as
colaboradoras da construção desse monumento legislativo que poderá vir a ser no
breve porvir o nosso Código de Processo Constitucional”.
Pouco tempo depois, ainda
em 2010, André Ramos Tavares, ex-presidente da Associação Brasileira de Direito
Processual Constitucional, em artigo intitulado “Por que um Código Processual
Constitucional?”, escrito em coautoria com Domingo Garcia Belaunde, um dos
idealizadores do Código de Processo Constitucional Peruano, também sustentou a
adoção de um CpCon.
Para ele, a proposta
de criação de um Código de Processo Constitucional no Brasil deve(ria)
urgentemente ingressar na pauta da agenda política, posto estar intimamente
ligada à efetividade dos direitos humanos[4].
O eco das manifestações
iniciais foi tão positivo que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, em meados do ano de 2013, criou uma Comissão Especial de Juristas para a
confecção de um Código Brasileiro de Processo Constitucional. Referida Comissão
teve Paulo Bonavides como Presidente e Paulo Lopo Saraiva como Relator.
No final do ano de 2015,
contendo 167 artigos, o anteprojeto[5]
foi protocolado no CFOAB. Dividido em 2 eixos principais, um para tratar sobre
as ações de defesa dos direitos e garantias fundamentais e outro para abordar a
defesa da Constituição Federal, o Código sistematizou, ou ao menos compilou, a
regulamentação dos processos constitucionais relacionados às ações de defesa de
direitos fundamentais e coletivos, as chamadas garantias constitucionais, e aludiu
sobre habeas corpus, habeas data, mandado de segurança individual
e coletivo, ação popular, e até sobre o mandado de injunção, que ainda não estava
disciplinado em nosso ordenamento na ocasião.
Tratou também sobre as ações
de controle da constitucionalidade das leis e atos normativos, oportunidade em
que restaram codificadas a ação direta de constitucionalidade, a ação declaratória
de constitucionalidade, a ação de inconstitucionalidade por omissão, a arguição
de descumprimento de preceito fundamental, a ação interventiva e a reclamação constitucional.
Novidade interessante do
Código foi a criação de um novo e subsidiário instituto, o chamado mandado de
garantia social, destinado a fazer, consagrar, respeitar, manter ou
restaurar, preventiva ou repressivamente, os direitos sociais previstos
explícita ou implicitamente na Constituição Federal, contra atitudes ativas ou
omissivas do Poder Público ou de particulares, para os quais não exista remédio
próprio.
Segundo Paulo Bonavides,
citado no relatório do anteprojeto, o instrumento seria uma conquista de
irretorquível relevância nas regiões constitucionais onde se há de concretizar
com mais vigor a proteção dos direitos sociais. Incomparavelmente superior ao
malogrado instituto da inconstitucionalidade por omissão, conforme certifica a
experiência nacional.
Da mesma forma inédita,
embora de maneira absolutamente contida, o Código versou também sobre a
jurisdição supranacional e a eficácia das decisões internacionais, temas muito consentâneos
e fundamentais para a formação de um ius commune em matéria proteção de
direitos humanos.
O Código, porém, muito
provavelmente em razão da turbulência política vivenciada pelo País durante os
últimos anos, que inviabilizaria uma adequada discussão do projeto no
parlamento, acabou não sendo levado a efeito pela Ordem dos Advogados do
Brasil, porém, é imperioso que o intento da Codificação não esmoreça.
É preciso que a doutrina
foque sua atenção às nuances do Processo Constitucional, inclusive quanto a
percepção de uma eventual autonomia científica do Direito Processual
Constitucional, já que se trata de um ramo com características próprias e distintas
das alinhavadas tão somente pelo Direito Constitucional ou pelo Direito
Processual Civil, e a partir deste ponto, trabalhe com muito carinho a ideia da
codificação.
Particularmente penso a
questão da codificação como uma boa oportunidade para 1. dar sistematização,
coerência e racionalidade ao processo constitucional; 2. promover a autonomia do
Direito Processual Constitucional; 3. reorganizar os procedimentos; 4. promover
o acolhimento das tendências doutrinárias e jurisprudenciais, 5. regular o
diálogo entre a Corte Constitucional Brasileira e as Cortes Internacionais,
notadamente em relação ao diálogo com a Corte Interamericana de Direitos
Humanos; 6. oportunizar a solução das controvérsias dos parágrafos 2º e 3º do
artigo 5º da Constituição Federal; 7. tratar sobre o controle de
convencionalidade; 8. promover e sistematizar a abertura do diálogo
constitucional com a sociedade, principalmente através de audiências públicas; 9.
regular a hermenêutica constitucional e os métodos interpretativos; 10. disciplinar
a metodologia de julgamento da Corte Constitucional; 11. ampliar a importância
das ações coletivas; 12. regulamentar possíveis novos instrumentos de proteção
aos direitos fundamentais, como uma ação destinada à tutela dos direitos
fundamentais em face de particulares, dentre outros tantos pontos que
fatalmente poderiam ser albergados no CpCon.
Tecidas todas estas
considerações, propugna-se que a comunidade jurídica intensifique os debates
acerca da necessidade, da amplitude e das consequências práticas e jurídicas da
criação de um Código de Processo Constitucional para o Brasil, tomando em conta
inclusive as experiências positivas de outros países latino-americanos, como
Peru, Bolívia, Argentina e Costa Rica, para que, após o devido amadurecimento
do tema, com a necessária intervenção do Congresso Nacional, com a realização
de propostas concretas e bem estruturadas, o Código possa ser levado a efeito.
Quando isso ocorrer,
certamente teremos os preceitos Constitucionais tornados muito mais efetivos
pelo CpCon.
[1]
Sítio eletrônico http://www.abdpc.com.br
[2]
Disponível em https://youtu.be/0u-Dh5kox40
[3]
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1001201009.htm
[4]
TAVARES, André Ramos; BELAUNDE, Domingo Garcia. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais- RBEC. ano 4, n. 16, out./dez., 2010. Belo Horizonte: Fórum,
2010, p. 17.
[5]
Disponível em https://www.oab.org.br/arquivos/anteprojeto-codigo-de-processo-constitucional-1336318980.pdf